O VALOR DA EDUCAÇÃO AFETIVA

Por: Maria Valdeilda
Orientadora Educacional e Psicanalista

Segundo a teoria Psicanalítica o ser humano é um subproduto das variadas relações que lhe sucedem desde seu nascimento e, segundo esta ótica analítica, as primitivas relações que marcam sua infância seriam as mais significativas para formação de seu caráter.

Os pais como agentes primários deste importante processo de montagem interpessoal, são os elementos mais importantes para que haja uma satisfatória adaptação do novo sujeito em formação. Em linguagem técnica dizemos que a criança precisará “internalizar de forma positiva” as imagens de seus pais, ou, dizendo isso de outra forma, a vinculação fortemente afetiva que uma criança vivencia junto aos seus pais lhe confere um forte senso de autoconfiança. Assim, ao aprender confiar em seus pais, o infante passa à intimamente confiar em si próprio.

Ainda segundo a psicanálise, cada um dos pais influencia um aspecto importante da personalidade em formação. A mãe é o símbolo maior da vida afetiva, por isso, sua presença é vital para o equilíbrio emocional da criança. O pai é o símbolo da relação que a criança deve ter com o mundo externo, com sua presença afetiva é o elemento que dá acesso à lei, sua imagem é a representação da necessidade racional de se vincular a uma certa normatividade externa.

Infelizmente, nossa vivência social é fortemente marcada pela dissolução familiar, cada vez mais mães solteiras são obrigadas à cumprir a dupla função materna e paterna. Logicamente, nem sempre o esforço feito pela mãe em suprir o modelo paterno dá resultado. A mesma, por força de uma necessidade óbvia (a ausência da figura masculina no lar), acaba por ter que se ausentar por muito tempo visando sustentar economicamente a família. Essa lacuna relacional, quando muito prolongada, traz consequências extremamente negativas.

Uma Pesquisa recente divulgada pela antiga Fundação Casa (Antiga FEBEM), revela as consequências funestas da desestruturação familiar. A mostragem em questão insinua que há uma forte ligação entre a ausência da imagem paterna e o ingresso precoce na criminalidade.

A referida pesquisa revela que em São Paulo 51% dos menores infratores internados nas unidades da Fundação Casa não conviviam com o pai. Também, a mesma pesquisa estabelece estatisticamente que a grande maioria dos menores infratores são do sexo masculino.

No caso das meninas, um levantamento feito pela Casa do Adolescente, órgão governamental que oferece orientação sexual aos jovens, estima que cerca de 80% das garotas atendidas pelo projeto foram abandonadas pelos parceiros antes do nascimento do bebê e, grande parte dos que permaneceram juntos com as parceiras por mais tempo, nem sequer visitaram a criança na maternidade.

Lamentavelmente, as famílias mais pobres são as mais atingidas e a desestruturação em série acaba por perpetuar a ausência do modelo paterno, desembocando, quase sempre, na delinquência infantil e na criminalidade.
Ainda no estudo supracitado, temos também a indicação que é cada vez maior a participação de jovens da classe média envolvidos com a marginalidade, dado este que justifica a ideia de que não é propriamente a pobreza o elemento principal na delinquência Juvenil (embora seja incontestável que tal situação socioeconômico é um elemento agravante), mas sim, a carência afetiva sentida nessa fase tão importante para montagem pessoal.

O próprio estilo capitalista é o maior fomentador da crônica desestruturação familiar contemporânea. É cada vez mais comum recebermos em nossos consultórios pais desatentos (para não dizer apáticos) em referência a educação familiar. Os mesmo estão muito interessados em sua “realização profissional”. Buscam uma insaciável estabilidade econômica para consumirem todas as mercadorias oferecidas pelo sistema, e, paradoxalmente, essa ânsia por um reluzente sucesso econômico acaba por enfraquecer às relações afetivas. Por fim, as famílias ficam cada vez mais ricas e estáveis financeiramente é contraditoriamente cada vez mais pobres e vazias afetivamente.

É verdade que às vezes a separação é inevitável. Entretanto, o fato dos pais não conviverem juntos não justifica a ausência afetiva de qualquer um dos dois (ou, pior, dos dois) na educação familiar. O processo de socialização primária realizado no âmbito familiar é crucial para estabelecer às bases normais da personalidade considerada estável e produtiva.

Escolher educar afetivamente nossos filhos é muitas vezes um contra senso com a lógica vigente. Ao escolhermos devotar mais tempo e afetos aos que nos são caros, muitas vezes perdemos dinheiro e valiosas oportunidades de ascensão profissional. Porém, toda escolha existencial implica em certa “perda”, assim, o que devemos mensurar é o que consideramos subjetivamente de maior valor.
Orientadora Educacional e Psicanalista

 

 

A MULHER E A LIBERDADE

Por Maria Valdeilda
Orientadora Educacional e Psicanalista

Para que a vida continue e recupere a direção correta, é necessário e indispensável que a mulher encontre seu lugar na história, tornando-se consciente de um tempo histórico que se perdeu irremediavelmente para sempre, ficando oculto, por causa deste apagamento, todo prejuízo evolutivo sofrido.

Acredito que a compreensão do tema da liberdade é fundamental conceitualmente à mulher, tal entendimento pode proporcionar um compromisso maior com a realidade, afinal, conhecimento é poder.

Entre os maiores pensadores da época, imperava a ideia de que a mulher, ser inferior, precisava ser integrada à sociedade e submetida a uma ordem masculina pré-estabelecida. Mesmo antes de Pitágoras (571 a.C), o grande filósofo e matemático, já definia a origem dos gêneros dessa maneira: “Há um princípio bom que criou a ordem, a luz, o homem, e um princípio mau que criou o caos, as trevas, a mulher”.
Neste caso quando se tratava da força e do poder, as mulheres eram ignoradas. E por muitos séculos a “liberdade”, não era privilégio nosso. E por muitos séculos a mulher recebeu como herança do homem a ideia central de existir somente para “amar”.

O medo de buscar a liberdade “plena” forma o verdadeiro cárcere de pensamento onde as mulheres vivem a solidão a dois.

Erich Fromm em seu livro o Medo a Liberdade nos posiciona a pensar que há um círculo inescapável, que leva da liberdade a uma nova dependência? Será que a emancipação de todos os vínculos primários deixa o indivíduo tão isolado e sozinho que inevitavelmente tem de fugir para o novo cativeiro? Será que independência e liberdade são a mesma coisa que isolamento e medo? Ou haverá um estado de liberdade positiva em que o indivíduo exista como um ego independente e, no entanto não esteja isolado, e sim unido ao mundo, aos outros homens e a Natureza.
Segundo as palavras de Erich Fromm, devemos acreditar que há uma solução positiva, que a marcha da “liberdade” crescente não constitui um círculo vicioso e que tanto o homem como a mulher podem ser “livres”, e sem embargo não ser solitário, crítico e nem por isso cheio de dúvida. Esta liberdade pode ser alcançada pela realização do seu ego? Filósofos idealistas acreditam que a realização individual só pode ser conseguida através da “percepção intelectual”.

Ao estudarmos sobre a mulher e a liberdade, acreditamos que uma revolução intelectual, manifestada a partir dos valores presente em toda a nossa sociedade faz a diferença na vida de cada mulher . Nossa “vontade de liberdade” depende da vontade do outro e mesmo assim a vontade de “liberdade do outro” pode depender também da “minha vontade”.

Os relacionamentos humanos estão limitados pelas Leis existenciais do “devir” tudo que está no universo se transforma e a liberdade se conquista. A mulher e a liberdade na nossa contemporaneidade transcenderam seus valores sociais e para além desta transcendência a mulher tem hoje, a força e o poder que o passado lhe tirou. Por mais que encontramos mulheres prisioneiras do seu próprio destino, cabe lembrar que pode ser por uma questão da vivência negativa que elas receberam na formação de sua cultura identitária de que liberdade é algo “perigoso” e que foi internalizado deste muito cedo na mente de nossas pequenas meninas. A geração se refaz entre 15 e 30 anos de acordo com a cultura do grupo. E a cada período entre uma geração e a anterior, podem ocorrer diversas possibilidades em que a mulher se choque contra tudo e contra todos em pró da conquista, de sua própria liberdade.

A aceitação dos diversos desafios é conflitante na rotina da mulher. Devemos revolucionariamente buscar nossos recursos internos, para depois, podermos criar uma mente revolucionária e lutar por nossa liberdade. Ainda encontramos mulheres que estão dentro da caixa da vulnerabilidade. Teremos que começar a investir no diálogo na construção de muitas ideias e não na agressão contra o outro. A verdadeira revolução da mulher em busca de sua liberdade se faz dentro do seu “Eu” primeiramente. Para finalizar nossa leitura deixo uma reflexão pertinente para as nossas leitoras: “ A minha liberdade e o meu valor hão de morrer junto com o meu Eu”. Será que a mulher contemporânea, está preparada para encarar a liberdade “plena” sem se comprometer com a dor?

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LACAN E A SUA FASE DO ESPELHO

Freud chama a constituição do narcisismo de “nova ação psíquica” Freud (1989), assim, a partir do estabelecimento interno de uma “autoimagem”, o ego é sentido pelo sujeito como um núcleo ideacional, ou, em outras palavras, o sujeito se identifica com a própria imagem.
Porém, o ato de criação dessa autoimagem, não ocorre pela força de organização do sujeito; uma ação subjetiva externa tem grande peso nesse processo.
Lacan, baseando-se em algumas das ideias mais fecundas do sistema freudiano, fixa esse momento de intersubjetividade, como o momento decisivo de criação do eu, nesse sentido, “Ser-Para-Outro” é a verdadeira razão de nossa constituição subjetiva.
Ele contextualiza o termo “alienação”, como um designativo, de um fenômeno básico, para que ocorra a formação de nossa existência pessoal. Projetar-se num “Outro” é, para Lacan, a condição básica para a nossa humanização. Dessa maneira, não há ego sem a mediação do Outro.
Em seu texto O Estádio do Espelho Como Formador do Eu Tal Como Nos é Revelada na Experiência Psicanalítica, o analista francês explicou da seguinte maneira sua concepção:
[…] o filhote do homem, numa idade em que, por um curto espaço de tempo, mas ainda sim por algum tempo, é superado em inteligência instrumental pelo chimpanzé, já se reconhece não obstante como tal sua imagem no espelho. […] logo repercute, na criança, uma série de gestos em que ela experimenta ludicamente a relação dos movimentos assumidos pela imagem com seu meio refletido, e desse complexo virtual com a realidade que ele reduplica, isto é, com seu próprio corpo e com as pessoas, ou seja, os objetos que estejam em suas imediações (Lacan, 1998, pp. 96-97).
Para Lacan, o autorreconhecimento de sua imagem refletida por uma superfície externa, constitui-se como o mais significativo elemento de diferenciação entre o “filhote do homem” e os outros animais.

Ao ver-se no espelho e, ao identificar-se com a imagem dinâmica que se apresenta como seu “duplo”, a mesma é internalizada como um referencial interno do “Si- mesmo”.
Porém, a palavra espelho, neste contexto conceitual, não deve ser aplicada apenas em seu sentido literal. Por se tratar de uma metáfora, o verdadeiro espelho em questão é, um outro termo, para noção freudiana de identificação primária, processo pelo qual, o eu fixa-se através da identificação à imagem do semelhante. É por isso que Lacan explicou que podemos:
[…] compreender o estádio do espelho como uma identificação […] a transformação produzida no sujeito quando ele assume uma imagem — cuja predestinação para esse efeito de fase é suficientemente indicada pelo o uso, na teoria, do antigo termo imago (Lacan, 1998, p. 97).
Ao dizer que o sujeito “assume uma imagem”, Lacan faz referência à noção de incorporação da imagem do Outro, porém, articula esta noção a partir do campo do escópico. Ao internalizar a imagem estruturada do Outro, essa imagem internalizada, torna-se um elemento estruturante, ou seja, a criança se reconhece no “espelho gestáltico” do corpo completo da mãe.

É neste contexto que a comparação que Lacan faz entre a criança e o chipanzé, ganha verdadeira relevância. Apoiando-se nos dados oferecidos pela Embriologia, Lacan ressalta que, embora o filhote humano não tenha condições neurológicas para exercer controle motor sobre o seu próprio corpo, não podendo assim, coordenar seus movimentos, após o seu sexto mês de vida, já é capaz embrionariamente de reconhecer-se no espelho.
Prof. Marcos de Oliveira / Trecho extraído do livro REVISITANDO FREUD – As Interfaces Contemporâneas da Psicanálise / Compre online ou fisicamente na livraria Martins Fontes

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