Resenha do Capítulo X O Conceito Frommiano do Homem do livro (Re)Visitando Freud de Marcos de Oliveira Silva

Resenha do Capítulo X O Conceito Frommiano do Homem do livro (Re)Visitando Freud de Marcos de Oliveira Silva

por Maria Helena Rachid

A obra de Erich Fromm continua viva e atualizada, especialmente, por sua extraordinária competência, que se revela, inclusive, por tornar facilmente compreensíveis muitos conceitos complexos e ideias inovadoras.

Pela forte influência marxista, Fromm pretendia que as “pessoas comuns” entendessem e praticassem a psicanálise. Pretendia tornar acessível o conhecimento psicanalítico, sem vulgarizá-lo.

O arcabouço teórico que sustenta a obra de Erich Fromm tem como pilar “uma filosofia humanista que privilegia o homem como centro nervoso de toda objetivação epistemológico psicanalítica”. Para ele, a psicanálise do homem particular deve levar em conta os fenômenos sociais e culturais que o formam. Nesse sentido, Fromm foi o primeiro psicanalista a tentar desenvolver uma proposta de socioanálise e o fez competentemente, acrescentando brilho especial ao movimento culturalista.

1. O Conceito de Homem em Fromm

“O homem – lobo ou cordeiro?” – essa é a pergunta feita por Fromm em seu livro O Coração do Homem, em que inicia a análise abordando o lado lobo do homem, que é capaz de estupros, guerras, torturas e toda sorte de abusos dos fracos pelos fortes. Por outro lado, acrescenta que o ser humano é capaz, também, de atitudes grandiosas e generosas. Enquanto outros teóricos, como Hobbes e Rousseau, acreditavam ou numa “maldade original”, ou numa “bondade original”, Fromm acreditava num instinto agressivo inato e “neutro”, que, no processo de socialização, é direcionado para o “bem”ou para o “mal”. Portanto, para ele, “essas inclinações morais serão determinadas e construídas dentro do processo conjuntivo de assimilação e aculturação”.

Segundo Fromm, o homem possui grande potencial de destrutividade, cuja cura possível é o desenvolvimento e utilização produtiva de sua capacidade criadora. Em sua concepção, a violência é uma resposta a uma vida “não-vivida e deturpada”. Portanto, a maldade e a destrutividade, para ele, oferecem uma visão de mundo a quem as pratica. Daí rejeitar a existência de um instinto de morte, como explicação para a agressividade humana, para ele trata-se de “uma ação teleológica determinada pelo caráter”.

Há no ser humano, para Erich Fromm, a partir de seu ingresso na cultura, a coexistência de duas tendências básicas, a biófila e a necrófila, que se misturam, podendo haver predomínio de uma delas na configuração de nosso caráter. A tendência predominante vai determinar o que vai orientar nosso comportamento na vida.

Para explicar, porque alguns manifestam caráter biófilo e outros necrófilo, Fromm retoma a visão freudiana de que a estruturação do caráter de uma pessoa é devida às “reações às influências exercidas pelo mundo exterior e particularmente às ocorridas durante a primeira infância”. Ele acreditava que nosso comportamento depende de uma estrutura – o caráter, mas isso não significa que Fromm acreditava num “determinismo psíquico”. Ele acredita que o ser humano é livre para ser o que decidir.

Como Lacan, Fromm destaca que o o homem só se torna de fato “homem”, quando se desnaturaliza. Entende, também, que, a partir das bases construídas pelos outros em sua infância, o ser humano irá se desconstruir e construir perpetuamente, permanecendo aberto, portanto, para possibilidades que o futuro poderá trazer.

Quando o ser humano é impedido de desfrutar de sua liberdade, se desumaniza e passa a alimentar um ódio consciente ou não, que é o resultado de toda e qualquer repressão.

“Em Fromm, o anseio de liberdade ganha status ontológico”, ou seja, é próprio do ser, intrínseco a ele. Daí, quem abdica de sua liberdade não é sadio psiquicamente. Para ele, a repressão do anseio de liberdade vai gerar “impulsos destruidores” e “simbióticos”.

2. A Situação Humana

Segundo Erich Fromm, o homem, que carrega em si a certeza da morte, somente se torna, de fato, livre pela consciência dos limites de sua existência. Sua evolução se processa pelo abandono da natureza e por sua humanização no encontro de uma nova pátria criada por ele – o mundo humano.

Esse paradoxo faz o ser humano evoluir. Assim, segundo Fromm: “A necessidade de encontrar soluções sempre renovadas para as contradições de sua existência, de encontrar formas cada vez mais elevadas de unidade com a natureza, com os seus próximos e consigo mesmo, é a fonte de todas as forças psíquicas motivadoras do homem, de todas as suas paixões, seus afetos e ansiedade.”

Vale destacar que o ser humano, muitas vezes, deixa de viver buscando entender o sentido da vida e de sua existência. Na verdade, seria melhor não buscar certezas e aprender a conviver com as dúvidas e a consciência da finitude.

3. A Correlação Humana

O nível relacional e os afetos positivos que devotamos aos demais, segundo os culturalistas, inclusive Erich Fromm, indicam nossa sanidade ou insanidade mental. O que oferecemos aos outros define “o que somos e o quanto somos afetivamente no mundo real”.

Com a evolução do homem, surge um sentimento interno de separação. Essa “ansiedade existencial de separação” é controlada pelos vínculos que criamos com os demais, se, no entanto, não estabelecemos vínculos produtivos com nossos semelhantes nos situamos próximos à loucura.

De acordo com Fromm, quando, em sua neurose, o ser humano não estabelece relações humanas verdadeiras, criam-se “vícios relacionais” na tentativa de aplacar a angústia. Esses vícios relacionais podem tomar as seguintes formas: o indivíduo pode tornar-se submisso a pessoa, grupo, instituição, Deus; ou dominador, integrando-se aos demais pelo poder sobre eles. Nas duas situações, é estabelecida uma relação simbiótica (os envolvidos perdem sua integridade). Essa relação doentia, em que um se nutre do vazio do outro, pode resultar num excessivo nível de ansiedade.

Essa “simbiose macabra”, para Fromm, não se dá somente entre pessoas – o indivíduo pode ficar dependente de uma instituição ou uma ideologia, vivenciando um “falso senso identitário”, especialmente no capitalismo.

Fromm nos apresenta o conceito de megamáquina  de Lewis Mumford, como um sistema organizado e homogêneo, em que a sociedade tem funções como uma máquina e os homens como suas peças. Essa megamáquina é sustentada por dois princípios: “algo deve ser feito porque é tecnicamente possível fazê-lo” e “eficiência e produção máximas”. Tais princípios seriam os regentes do comportamento de todos.

Esse excessivo enfoque técnico ou “tecnocracia”, segundo Fromm, condiciona nossa estrutura de pensamento a visar, exclusivamente, ao lucro e à eficiência. Nesse contexto, o homem se desindividualiza e sua essência afetiva passa a  se manifestar somente em “espaço” íntimo. De Homo Sapiens passa a Homo Consumens, que consome desesperadamente, quer proteger o que acumulou e se afasta cada vez mais das pessoas.

Assim, o homem moderno vai se tornando “cada vez mais passivo e amedrontado”, o que exacerba seu “sentimento existencial de tédio”. Esse tédio existencial é inevitável, mas deve ser enfrentado para não se tornar uma angústia neurótica.

Erich Fromm desenvolve o conceito de “conformidade autômata”, uma padronização generalizada, um conformismo, que não corresponde à desejada igualdade social e tem como resultado um “nivelamento por baixo”, em que o importante é o rótulo do que portamos.

4. A Construção do Novo Homem

O aprimoramento do caráter deve ser o objetivo do processo de construção do homem, do qual ele próprio é parte ativa. Humanização e afetividade adequada devem nortear essa construção.

Fromm, em seu otimismo, transmite esperança por acreditar num “destino feliz para a humanidade”, a partir de um processo de “descoisificação”. No entanto, essa esperança pode ser vã se não for consubstanciada em novas possibilidades de humanização, especialmente, neste momento histórico.